A dona Raíssa gostava muito de cantar. Às vezes, enquanto estivesse a conversar com os filhos, enroscavase nos cantos da sua linda voz, que se esquecia totalmente da conversa. Doutras vezes, ficava a falar feito um rádio, e quando acabava, dava por conta que os filhos já estavam cansados de a ouvir, e já não omitiam opiniões, para evitar outro aborrecimento no prolongar da sueca. A chará da Eliana, que era uma das irmãs da dona Raíssa, vivia próximo e era muito amada por todos os filhos da dona Raíssa. A Eliana tia tinha mãos abertas. Os sobrinhos gostavam de frequentar a sua casa, porque no fim de cada visita, tinham sempre um presentinho vindo dela e de lá saíam com as barrigas brilhosas – empatorrados – de tanto comer.
Eliana, filha do Senhor Ermo e da dona Raíssa, era muito ousada e gostava de sonhar alto. Além disso, gostava de ir à igreja e forjar grupos onde pudesse partilhar a palavra de Deus.
Porém, era alguém muito teimosa, embora gostasse de ir atrás das coisas de que desejava e realizar seus sonhos. E por hábito, tinha pela mania de se isolar, sentar no seu cantinho, apenas observando, dos seus olhos imberbes, a vida dos outros, e de lá tirava lições.
A família sempre pareceu ser unida, abençoada e alegre. Eliana sorria para a vida. Não tinha com que se preocupar. Vivia a vida de maneira intensa, porque sentia estar a viver um conto de fada, tal como nos filmes que assistia. Em casa, família fazia oração todas às noites antes do jantar. Eram aqueles cultos familiares que chamavam de sinagoga. E tão logo depois do jantar, havia o Serão, e quem presidia era a avó. Lá se contavam de tudo – estórias de embalar, chiatas e outras. De vez em quando, Senhor Ermo era quem guiava o Serão, outras vezes, a dona Raíssa. Isso acontecia nalgumas noites, quando talvez a avó estivesse esgotada e sem forças por causa da idade. As noites eram muito traçoeiras, bem como os ventos dos tempos, mas quando não houvessem estórias para se contar, as crianças se enfiavam debaixo da árvore que ficava do lado do portão; e tudo o que faziam, junto com os amigos, era cantar e dançar ao fulgor do luar, ou sob a clareza de uma fogueira. E quando fosse noite alta, acabavam por estender um longo e vasto colchão no corpo do quintal e lá dormiam, por causa do calor que às vezes a traçoeirice das noites trazia em casa. Ao amanhecer, não folgavam os cultos que chamavam de matinal, porque abriam-se os olhos do dia. E depois do pequeno almoço – o matabicho, cada um metia o esqueleto a trabalhar – cuidavam das lides da casa. As refeições do dia – o matabicho, o almoço e o jantar – eram jibados em família, onde todos se sentavam à mesa. Nem sempre havia um lugar à mesa. E onde se sentavam os demais? Uns se enfiavam no sofá, outros aplacavam mesmo aí no chão húmido da sala. Era uma casa vasta – por isso abarcava sem problemas todos os membros da família.